A felicidade sob a ótica de Aristóteles
A felicidade sob a ótica de Aristóteles
Mariah de Olivieri
O bem do homem vem a ser uma atividade da alma de conformidade com a virtude, e se as virtudes são várias, de conformidade com a melhor e mais completa entre elas, e ademais devemos acrescentar que tal atividade deve estender-se por toda a vida.
Aristóteles
Felicidade – qualidade ou estado de feliz. Bom êxito, sucesso. Bem supremo fim último dos indivíduos. É o que há de melhor, bem perfeito. Questão tão delicada, tema absolutamente controverso. Contexto tão antigo e, em contra partida, repleto de contemporaneidade. Notório que esse dizer parte de um determinado lugar no tempo e, por isso mesmo, não reivindica verdades a priori, destarte, aposta em níveis de argumentações universais.
Desde priscas eras, a felicidade se constitui na busca primordial da grande maioria da humanidade, ocupando incessantemente o pensamento e as indagações dos seres humanos.
Aristóteles, (filósofo grego 384-322 a. C), possuía o dom em abordar de forma luminosa as complexas questões relativas ao indivíduo, procurando esclarecer com brilhantismo as interrogações humanas. Seu espírito derivava cada vez mais das minúcias da ciência, para as questões mais amplas da conduta e do caráter humano. Ocorreu-lhe que, acima de todas as questões do mundo físico, estavam as questões supremas; dentre elas, a felicidade.
O que é a felicidade? Para grande parte dos indivíduos, a felicidade é o deleite e o gozo. Porém, uma existência gasta apenas para o prazer, é uma existência que nos torna semelhantes a escravos, uma vida digna de seres inconscientes. Para outros tantos, a felicidade corresponde ao sucesso financeiro. Destarte, a abastança material é apenas um meio para outras coisas, não podendo ser considerada um fim em si mesmo.
Aristóteles era realisticamente simples e objetivo em sua ética. Sua educação científica preservava-o de pregar idéias super humanas ou conselhos vazios. Ele argumentava, a partir do relevo franco de que o objetivo da vida humana não é o bem por si mesmo e, sim, a felicidade. Afirmava que o indivíduo escolhe a felicidade por si mesma, nunca visando algo além dela. Ao amarmos a honra, a inteligência e o prazer, estamos em busca pura e simplesmente do meio em se atingir a felicidade.
Aristóteles entendia como simplista, afirmar que a felicidade é o bem supremo. Ele possuía a consciência de que era necessário adquirir um conhecimento mais claro da natureza da felicidade para poder alcança-la.
O bem supremo, factível pelo indivíduo (e, portanto, a felicidade), consiste em aperfeiçoar-nos enquanto indivíduos, em virtudes não mensuráveis, porque isso nos torna humanos e, nos diferencia de todas as outras espécies que habitam esse planeta.
O incremento da virtude depende de juízo lúcido, autodomínio, e de desejos proporcionais às possibilidades. O indivíduo não procede retamente por ter virtude, sobretudo, tem virtude por proceder retamente, pois só é possível à realização da virtude ao individuo plenamente desenvolvido.
Somos aquilo que fazemos repetidas vezes, a virtude não é um ato e sim um hábito. O bom para o indivíduo é fazer a alma esforçar-se em direção à virtude, toda a sua existência. A excelência é uma arte adquirida com o exercício e o hábito.
A excelência peculiar ao indivíduo é que ele possui o dom do pensar; é através do raciocínio que ele domina todas as outras formas de vida existentes. O desenvolvimento do raciocínio proporciona aos indivíduos a realização de seu desejo maior, ou seja: de alcançar a felicidade.
O indivíduo que quer viver bem deve sempre viver segundo a vida da razão, predicado particular do indivíduo, condição sine qua non para atingir a felicidade.
O ser humano é principalmente razão, mas não apenas razão. Aristóteles afirmava que não apenas cada indivíduo é alma, mas também é a parte mais elevada da alma: Se a alma racional é a parte dominante e melhor, parece que cada um de nós consiste precisamente nela. Portanto, os valores da alma são valores supremos.
O certo na ética, no proceder, não difere do certo na matemática ou na engenharia. Isso significa que proceder de maneira correta e adequada, é uma máxima universal na qual obtemos resultados satisfatórios para bem trilharmos nossa existência.
Aristóteles afiançava que o indivíduo deveria possuir bens mundanos para não se tornar mesquinho. Contudo, um dos requisitos primordiais para a felicidade, consistia na amizade, que se multiplicava quando compartilhada.
Embora os bens materiais e a amizade sejam necessários à felicidade, a essência de tal reside no interior de cada indivíduo, no profundo saber e na claridade da alma.
A alma possui duas virtudes dianoéticas: a sabedoria (phorónesis) e a sapiência (sophía). A sabedoria incide em que o indivíduo dirija bem sua existência, ou seja, em deliberar de modo ético acerca daquilo que é bem ou mal para si. A sapiência é o conhecimento das realidades que estão acima. È precisamente no exercício da sapiência, na perfeição da atividade contemplativa, que o indivíduo alcança a felicidade máxima, quase uma tangência com o divino.
Na medida do possível, é preciso comportar-se como imortal e tudo fazer para viver segundo a parte mais nobre que há em nós. Com efeito, embora seja pequena por sua grandeza, ela é muito superior a todas as outras por sua potência e seu valor.
A filosofia de Aristóteles nos remete ao que denominamos de ética da alma. Essa incidi no aprimoramento das virtudes para obtermos a bem-aventurança de nos realizarmos enquanto essência. Consiste em um modo de pensar e agir de forma consciente e honrada, para alcançarmos os nossos escopos, resgatando-nos enquanto existência, qualificando os valores que nos são caros, aperfeiçoando-nos humanamente, para atingirmos a plenitude.
É no tempo presente que temos a chance de consertar os equívocos do passado, em que nos é concebida à possibilidade de escolher o bem e agir de maneira digna, para sermos merecedores dessa dádiva divina.
Felicidade é ter algo o que fazer, algo que amar e algo que esperar...